ONDE ESTÁ O TEU IRMÃO?

ONDE ESTÁ O TEU IRMÃO?





Texto: Gênesis 4.1-15

1.    E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a Caim, e disse: Alcancei do SENHOR um homem.
2.    E deu à luz mais a seu irmão Abel; e Abel foi pastor de ovelhas, e Caim foi lavrador da terra.
3.    E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor.
4.    E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta.
5.    Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante.
6.    E o Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante?
7.    Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar.
8.    E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou.
9.    E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?
10.         E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra.
11.         E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão.
12.         Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra.
13.         Então disse Caim ao Senhor: É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada.
14.         Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me achar, me matará.
15.         O Senhor, porém, disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse.                                    (Gênesis 4.1-15).

Às vezes me pergunto por que Deus preservou os fatos deste grave incidente e os colocou estrategicamente no início do relato Bíblico.

Na primeira aparição o pecado é um SUÍCIDIO do homem. “No dia em que comeres certamente morrerás”.  Assim o homem morreu espiritualmente.

Na segunda aparição o pecado é um FRATRICÍDIO, Caim matando o próprio Irmão.

Observe que o primeiro homicídio aconteceu na segunda geração da humanidade. Inegavelmente descobrimos, que o ser humano após sua queda se tornou incrivelmente mau.

Esse início da vida humana nos procura informar que não somos pecadores porque cometemos pecado. Neste caso, após a queda, nós pecamos porque somos pecadores. Nós fazemos o que é errado porque nos tornamos pessoas erradas.

O primeiro homicídio descrito na Bíblia é o fruto de um problema existente no coração que todo o ser humano partilha. O pecado cometido aqui é o fruto de uma natureza torcida e egoísta, que contaminou toda a humanidade como resultado da queda de nossa humanidade.

É interessante que logo após a opção do primeiro casal pelo seu total suicídio, o pecado não segue uma linha tênue e calma de sequência, imaginemos primeiro mentiras, pequenos furtos, até chegar num homicídio. Não! A corrupção não tem graus. A corrupção não emerge lentamente, ela é avassaladora.

Um homicídio por si só é horroroso, mas quando acontece dentro da própria família ele tem uma dimensão excepcionalmente horrorosa.

A palavra irmão é usada seis vezes nos versículos de 8 a 11, certamente salientando a seriedade do crime.

São dois os irmãos encontrados nessa história: Caim, que significa: Obter ou criar.

E Abel, que significa: fôlego, vapor ou futilidade.

Caim escolheu ser um fazendeiro como seu pai.
Abel, tornou-se um pastor de ovelhas.

Esses dois irmãos trouxeram suas ofertas em culto ao Senhor.

3.       E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor.
4.       E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta.
5.       Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. (Gênesis 4. 3-5).

Deus se mostrou satisfeito com a oferta de Abel e descontente com a oferta de Caim, o que causou a faísca do conflito entre os irmãos.

Percebe-se neste sacrifício oferecido pelos irmãos, que a forma do sacrifício e o espírito com que é oferecido são igualmente importantes. A oferta de Caim não tinha a forma nem o espírito que Deus desejava. A oferta de Abel foi excelente aos olhos de Deus.

Vejo um grande alerta neste texto, sobre aqueles que pensam que Deus vai aceitar qualquer coisa que a Ele for oferecida desde que sejamos sinceros.

Para muitos, nenhuma crença é certa ou errada, conquanto busquemos a Deus com sinceridade.  Isso não é verdade.
Quem pensa assim, está sinceramente errado.

1) OBEDIÊNCIA NÃO É NEGOCIÁVEL.

Não se deixe enganar. Você pode colocar sua confiança com sinceridade em qualquer outro meio, ou em qualquer outra pessoa que não seja Jesus Cristo, e Deus sinceramente não o receberá. Ainda que isso soe áspero para você, permita-me oferecer duas visões sobre o tema:

- O Senhor é amoroso e bondoso, mas Ele é justo. Deus é muito específico sobre a maneira que devemos nos achegar a Ele. Deus fez tudo o que precisava ser feito, e desta forma pede somente uma coisa: receba este presente.

- A fé exige ação – Se você realmente acredita em Deus, você fará exatamente como Ele disse.

Em Resumo, Abel comparece diante de Deus a maneira de Deus e Caim comparece diante de Deus a sua maneira.

É assim que a história fez registrar a adoração desses dois irmãos:

4 Pela fé Abel ofereceu a Deus maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando Deus testemunho dos seus dons, e por ela, depois de morto, ainda fala. (Hebreus 11.4)

A verdadeira fé, sempre será marcada pela obediência.

10 Nisto são manifestos os filhos de Deus, e os filhos do diabo. Qualquer que não pratica a justiça, e não ama a seu irmão, não é de Deus.
11 Porque esta é a mensagem que ouvistes desde o princípio: que nos amemos uns aos outros.
12 Não como Caim, que era do maligno, e matou a seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas obras eram más e as de seu irmão justas. (1 João 3.10-12).

Esse é o veredicto de Deus dado sobre cada uma das ofertas.

2) NOSSO RELACIONAMENTO COM DEUS AFETA TUDO.

A qualidade de nossos relacionamentos horizontais depende inteiramente de termos um bom relacionamento vertical. Se você não estiver bem com Deus, você não estará bem com mais ninguém, inclusive com você mesmo.
Veja por exemplo a índole de Caim:

5.       Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante.

Como resultado por ter feito o que era errado e ter experimentado resposta justa de Deus, Caim “irou-se fortemente”. (v.5).

O que chama a nossa atenção é que Caim sabia o que deveria fazer, e optou por não fazer.

Veja o que Deus disse:
7. Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar.

Deus havia tornado evidente o caminho para a aceitação, e ainda mais requereu que Caim sobre seus desejos dominasse.

Acreditamos que Caim deu lugar ao ciúme. Isso mesmo, provavelmente Abel despertou o ciúme de Caim.

Quando uma pessoa recebe algo, que nós achamos que outra ou eu mesmo mereço, a reação mais comum é o ciúme.

Escolher fazer a coisa errada faz com que a pessoa fique em desacordo consigo mesma.

Se você fizer errado, assuma a culpa, É sua culpa, não ponha a culpa nos outros.

Uma canção de Anna Russel, (1911 – 2006), escrita provavelmente nos anos 60, fala um pouco sobre essa mania de colocar a culpa nos outros.

Originalmente intitulada: Jolly Old Sigmund Freud
(O Velho e Espirituoso Sigmund Freud).

Fui ao meu psiquiatra
 Para ser analisada
 Para descobrir por que matei o gato
 E deixei o meu marido de olho roxo.
 Ele me colocou no divã.
 Para ver o que poderia descobrir
 Então aqui está o que ele conseguiu
 Do meu subconsciente:

Quando eu tinha um ano
Minha mãe escondeu minha boneca no baú.
 Então, é natural que eu esteja sempre bêbada.
 Quando eu tinha dois anos,
Um dia, eu vi o meu pai Beijar a empregada,
 E é por isso que eu sofro agora de cleptomania.

Aos três anos, eu tinha o sentimento de Ambivalência para os meus irmãos,
 Então é Natural que eu tenha envenenado todos os meus amantes
 Mas estou feliz; agora aprendi a lição
 A lição que aprendi;
 Que tudo o que faço de errado -
 A culpa é de outra pessoa.

Meu amigo, você é responsável por todas e por cada uma das escolhas que você faz na vida. As consequências que vierem sobre você, são de sua única e exclusiva responsabilidade.

3) PECADOS NÃO RESOLVIDOS CORROMPEM TUDO.

“...E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. (v.7)

O pecado é uma fera traiçoeira, um oportunista covarde. Todavia, se assumirmos a responsabilidade pelo nosso erro, nos arrependermos e obedecermos, poderemos dominar o pecado.  Este é um alerta de amor.
Esse é um alerta de Deus, que ainda há tempo de voltar atrás e de procurar fazer a coisa certa do jeito certo. É Deus dizendo para Caim, que ele ainda pode trazer uma oferta apropriada.

Na vida espiritual, ainda há tempo para começar a fazer o que é certo.

26 Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.
27 Não deis lugar ao diabo.   (Efésios 4:26,27).

Infelizmente, Caim não aceitou o conselho paterno de Deus. De maneira não surpreendente, seu ressentimento se alastrou como um câncer:

8.       E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou.

O pecado de Caim é realmente grave. Caim está irado com seu irmão, mas também está revoltado com a direção e a exigência que recebeu de Deus.
Sabe como podemos ler essa atitude de Caim:

Deus! Você não requereu de mim um sacrifício? Aí está o seu sacrifício de sangue? Foi assim que deliberadamente Caim derramou o sangue de Abel pelo chão.

4) ESCOLHA RESOLVER OS CONFLITOS

Não consigo me esquecer que o mesmo coração humanamente caído que pulsava em Caim, também pulsa dentro de cada um de nós.
O pecado que bateu a porta de Caim, também bate a minha porta todos os dias.

Dou graças a Deus que minha lista de execuções está hoje vazia.
Nunca ignore o poder de um ressentimento. Alimente seu ressentimento, e dele brotará a sua ira. Essa ira vai produzir raízes bem profundas e crescerá e se transformará em ódio. E o fruto do ódio é o homicídio.

Não se deixe enganar. Nenhum homicida, acordou de manhã e decidiu ser homicida. Na verdade, eles foram aos poucos, se tronando capazes de cometer tais crimes. Alimentaram suas vidas com ressentimento até que o fruto desse ressentimento envenenasse sua vida.

5)  PECADOS NÃO RESOLVIDOS ENDURECEM O CORAÇÃO.

Após o fatídico homicídio, não sabemos quanto tempo se passou, em que Caim pensou com clareza sobre o que havia feito. Um irmão que com ele andou, sorriu, cantou e fez tantas coisas, estava morto.

O tempo passou e Caim está ainda mais duro em seu coração:

9.       E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?
10.     E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra.

UM PECADO EM SEGREDO NA TERRA É UM ESCÂNDALO ABERTO NO CÉU. Nunca se esqueça disso!

Seja o que for que você esconde nessa terra, já é inteiramente conhecido por Deus. “A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra’.

Diante do pecado Deus RESPONDE COM JUSTIÇA:

11. E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão.
12. Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra.

O pecado de Caim fez com que o cultivo se tornasse impossível, o que acabou com sua subsistência.

A implacável justiça de Deus faz com que Caim demonstre agora alguma emoção e sentimento sobre o ocorrido:

RESPOSTA DE CAIM.

13. Então disse Caim ao Senhor: É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada.
14. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me achar, me matará.

Deus pressionou Caim e o levou a uma confissão e deu-lhe todas as oportunidades de arrependimento e quebrantamento com respeito ao homicídio de Abel. Mas a única compaixão de Caim foi por ele mesmo.

Diante da resposta de Caim, DEUS RESPONDE COM GRAÇA.

15.     O Senhor, porém, disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse.

Que sinal Deus teria colocado em Caim? Você está pronto para ouvir a resposta certa? Ninguém sabe!

A única coisa evidente aqui é que Deus preservou a vida de Caim.

O que Deus está dizendo aqui:

Em algum tempo, nos anos restantes de sua vida, se você achar um lugar para o arrependimento em seu coração endurecido, estarei pronto a te ouvir. Estou pronto a perdoar. Eu não posso permitir, que outro assassinato cruel mantenha você longe de mim. Não permanentemente.

Vejo que Deus tem feito a mesma obra para com cada um de nós hoje:

“O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se”. (2 Pedro 3.9).

CONCLUSÃO

Ao terminar esta mensagem gostaria de procurar lições práticas dessa porção da Palavra de Deus, que nos sirvam de inspiração ao longo de nossa caminhada cristã.

Se foi ruim para Caim, não necessariamente precisa ser ruim para nós.
Considere:

- O caminho de Deus é o único aceitável. Siga por ele!

Deus não desperdiça palavras. Portanto, quando Deus dá uma instrução clara, nossa reação precisa ser a obediência.

- O ciúme é um pecado que não pode ser escondido.

O ciúme é um matador. Ele planta no seu coração sementes que levam a ira, ao ressentimento, ao ódio. Aprenda a ficar satisfeito com aquilo que é certo.

- Nunca deixe o conflito ou o pecado sem ser resolvido.

Toda ira que não é tratada e é deixada para depois, nunca desaparece. Ao contrário multiplica, queima e retorna mais forte. A maioria dos erros não se corrige por si mesmo. Será preciso atenção e esforço.

Não sei se você já ouviu a história da águia e da doninha.
 
Uma pessoa viu uma águia dando rasantes e voando alto, procurando sua presa.

De repente, a águia desceu e pegou um animal com suas garras, e subiu novamente.

Enquanto a pessoa apreciava a águia voando, viu que de repente as asas da águia se fecharam, e a águia começou a girar em queda livre, descendo girando até o chão.

Essa pessoa ficou surpresa, e foi na direção onde a águia quedou, e lá começou a examinar o acontecido.

A águia havia capturado uma doninha para o seu jantar. Enquanto voava para seu ninho, a doninha encontrou um local vulnerável na águia e mordeu uma artéria do seu pescoço. A águia, ferida por sua vez, sangrou até morrer. Como estavam em grande altitude a doninha também morreu em função da grande queda. Ali estavam os dois, mortos.

Que ilustração para falar do perigo que encaramos quando seguramos o ressentimento ou a ira.

A ira não é pecado, é só uma emoção. Ás vezes, o ressentimento é uma reação compreensível quando se é desprezado. Mas se você mantiver um “ressentimento” em suas garras, ele possivelmente irá destruí-lo e certamente fará mal a mais alguém.

Quando resolvemos o conflito ou o pecado (Sem se importar de quem é a culpa), o melhor lugar para começar é em seu relacionamento com Deus. Seja responsável diante de Deus, e confesse qualquer pecado. Fazendo assim, você ficará em paz com seu irmão ou com sua irmã.

Faça isso e você deixará um impacto duradouro nas pessoas à sua volta, mesmo sendo pecador.





Baseado no Livro:


SWINDOLL, Charles R. Vidas Incríveis: histórias fascinantes sobre vidas esquecidas. Trad. Eloisa Pasquini. São Paulo: Ágape: 2013. Págs. 35-57.

A ANGÚSTIA DO PECADO

A ANGÚSTIA DO PECADO.

“E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? ”.  (Mateus 27.46).



Essas provavelmente sejam as palavras mais angustiantes e chocantes da vida de Jesus. Esse brado de Jesus na Cruz, foi a mais extraordinária expressão daquela aterradora cena.

Que um inocente fosse condenado, que sem culpa fosse perseguido, que um benfeitor fosse cruelmente sentenciado a morte, não era nenhum acontecimento novo na história.

Do assassínio do Justo Abel àquele de Zacarias houve uma longa lista de martírios. Mas aquele que estava pendurado na Cruz no centro não era nenhum homem comum, era o filho do homem, aquele no qual todas as excelências se encontravam – o Perfeito. Seu caráter era como sua túnica “tecida toda de alto a baixo, [e] não tinha costura. (João 19.23).

23 Tendo, pois, os soldados crucificado a Jesus, tomaram as suas vestes, e fizeram quatro partes, para cada soldado uma parte; e também a túnica. A túnica, porém, tecida toda de alto a baixo, não tinha costura. (João 19.23).

O Juiz que procedeu seu julgamento disse:

38 Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum. (João 18.38).

É por isso que soa tão estranho para cada de um de nós este momento. O pai que que afirmava do seu filho: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”. (Mateus 3:17) Permite agora que Ele seja entregue a uma morte tão vexaminosa. O seu filho amado, se encontra em condição de desamparo.

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? ”.

Imagine um homem desamparado de seus amigos.
Uma esposa desamparada por seu marido.
Uma criança desamparada por seu pai.

Agora imagine: Um homem desamparado por Deus. Esse é o quadro mais horrendo de todos.

O homem sempre clamou ao Senhor, para que Ele não o desamparasse:
57 O Senhor nosso Deus seja conosco, como foi com nossos pais; não nos desampare, e não nos deixe (1 Reis 8.57).

O que então significou para Jesus estar DESAMPARADO?

A hora do desamparo é a hora do seu maior sofrimento. O apogeu de sua angústia. Os soldados o açoitaram, zombaram dele, colocaram sobre sua cabeça uma coroa de espinhos.

Despojaram seus vestidos e o expuseram a vergonha explícita. Perfuraram suas mãos e pés. Quando a ira concentrada de Deus desceu sobre ele, exclamou e disse: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? ”.
Essas são palavras do mais profundo mistério.  Como explicar a falta de socorro na angústia:

“Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia”. (Salmos 46:1),

Teria falhado a promessa?

Deus esteve presente na fornalha ardente dos três amigos.
Deus esteve presente na cova dos leões com o profeta Daniel.
O que faz dessa uma hora tão diferente?

Da cruz se levanta o clamor mais dorido da história da humanidade, e do céu não há resposta alguma.

Esse é um brado desconcertante para o Evangelho. Um brado de desamparo, nada comum e bastante desconfortável ante as promessas de Deus.

“...nunca vi desamparado o justo, nem a sua semente a mendigar o pão”. (Salmos 37.25).

As Escrituras Sagradas não deixam dúvida de que tais palavras de inigualável tristeza foram tanto a mais completa manifestação do amor divino e da mostra mais inspiradora de terror da inflexível justiça divina.

Nesse quarto pronunciamento de Jesus, conseguimos perceber:
  1) A ENORMIDADE DO PECADO E O CARÁTER DE SEU SALÁRIO.

Na crucificação, ficam evidentes as marcas do pecado que estão sobre a humanidade. Fica estampada a depravação do coração humano – seu ódio por Deus, sua ingratidão abjeta, seu amor às trevas em lugar da luz. A preferência pelo príncipe da morte ao invés do príncipe da vida. Na cruz fica clara a Inimizade do homem contra Deus.

Na crucificação, ficam ainda mais evidentes, as marcas da perfeição Divina e a inefável Santidade de Deus. Ficam evidentes, sua justiça inflexível, sua ira terrível e sua graça sem par.

Na crucificação, também fica evidente a enormidade do pecado – sua vileza, sua torpeza, sua rebelião é claramente exibida. É aqui que percebemos a horrenda extensão a que o pecado chegará.

Na primeira aparição o pecado é um SUÍCIDIO do homem. “No dia em que comeres certamente morrerás”.  Assim o homem morreu espiritualmente.

Na segunda aparição o pecado é um FRATRICÍDIO, Caim matando o próprio Irmão.

Na Cruz o apogeu é atingido, pois o preço a pagar é o DEICÍDIO – o homem crucificando o Próprio Deus. “...a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo. (Atos 2:36)

Na cruz percebemos o preço do pecado:
“Porque o salário do pecado é a morte”. (Romanos 6.23).
A morte é a herança do pecado.

Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram.  (Romanos 5.12).

A morte é tanto física quanto espiritual. O pecado separa o homem de Deus, que é a fonte da vida. O pecado exclui o homem da presença de Deus. Neste tempo e na eternidade.

Creio que agora você entende porque um Deus “que passeava no jardim pela viração do dia; (Gênesis 3:8), para estar com seus filhos, agora, só poderia ser encontrado, num local inaccessível, atrás de um véu enorme, e guardado por querubins, no lugar do Santo dos Santos. O véu do templo e o véu pendurado no tabernáculo testemunhavam que o pecado fazia a exata separação “entre nós” e o nosso Deus.

A separação é real na Cruz, pois o pecado separa o homem de Deus.
“Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça”. (Isaías 59.2).

O pecado exclui o homem da presença de Deus. Neste tempo e na eternidade

“Com labaredas de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; Os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, LONGE DA FACE DO SENHOR e da glória do seu poder”.  (2 Tessalonicenses 1.8,9).

Nesse quarto pronunciamento de Jesus, conseguimos perceber:
2)   A ABSOLUTA SANTIDADE E A INFLEXÍVEL JUSTIÇA DE DEUS.

Na Cruz O HOMEM fez uma obra. Ele mostrou sua depravação ao pegar o Perfeito e com “mãos iniquas”. “...crucificastes e matastes pelas mãos de injustos”. (Atos 2:23).

Na Cruz SATANÁS fez uma obra: ele manifestou sua insaciável inimizade contra a semente da mulher ferindo-lhe o calcanhar. “...esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. (Gênesis 3.15).

Na Cruz o Senhor JESUS fez uma obra: morreu o justo pelos injustos. “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos...” (1 Pedro 3.18).

Na Cruz DEUS fez uma obra: Ele exibiu sua Santidade e satisfez sua justiça derramando sua ira sobre aquele que foi feito pecado por nós.

“Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. (2 Coríntios 5.21)

Nenhuma cena humana, marcaria com tanta propriedade a Santidade Divina. Deus é tão Santo que o mortal não pode vê-lo em seu ser essencial, e viver.
Deus é tão Santo, que os serafins cobrem o seu rosto diante Dele.

“Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobriam os seus rostos, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam”. (Isaías 6.2).

Deus é tão Santo que quando Isaías teve uma visão de sua Glória disse:
Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos.   Isaías 6:5

Deus é tão Santo que se diz sobre Ele:
Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal, e a opressão não podes contemplar.     Habacuque 1:13

Foi exatamente porque o Salvador estava levando os nossos pecados que o Trino e Santo Deus não o contemplou naquele instante. Por isso, virou Deus sua face, literalmente o desamparou.

O Senhor fez exatamente aquilo que disse iria fazer:
“Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos”. (Isaías 53.6).

Como nossos pecados foram colocados sobre Ele, ele tornou-se o substituto, a Ira divina cairia exatamente sobre a oferta que estava sendo entregue pelos nossos pecados.

Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Essa pergunta é feita pelo Salmista, quando no Salmo 22.1 suscita essa grande interrogação.

A resposta a sua indagação está posta quando ele mesmo proferiu no seu hino de exaltação ao criador. 
“PORÉM TU ÉS SANTO, tu que habitas entre os louvores de Israel”.  (Salmos 22.3).

Deus é Santo e Justo ao mesmo tempo, por isso cobrou com preço tão alto toda a dívida do pecado.

É na cruz que encontramos a verdadeira justiça divina, quando da punição da malignidade deste tão grave mal chamado pecado.

O mundo antigo foi coberto pelas águas em Noé.
Sodoma e Gomorra foram cobertos por fogo e enxofre.
O antigo Egito foi coberto com pragas e também pelas aguas do Mar Vermelho.
E nós hoje estamos sendo cobertos pelo Sangue de Jesus.

Tudo isso representa a justiça de Deus. A inflexível Justiça de Deus.
Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? Romanos 8:32

Deus entregando o seu próprio filho, esse é o mais fiel retrato de sua inflexível justiça. Foi diante da grande tempestade da ira de Deus, que se mostrou o desprazer divino contra os incontáveis pecados de uma grande multidão que homem algum pode numerar. Essa, então, é a verdadeira explicação do Calvário. O Santo caráter de Deus não podia fazer nada senão julgar o pecado, mesmo que fosse achado no próprio Cristo. Na cruz, pois, a justiça divina foi satisfeita e sua santidade reivindicada.

Conclusão

Alguns “ecos” deste angustiante brado, necessitam dizer algo a cada um de nós hoje.

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? ”.
Este é um brado de desolação, nossa oração é que possa você nunca ecoá-lo.

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? ”.
Este é um brado de separação. Nossa oração é que possa você jamais experimentá-lo.

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? ”.
Esse é um brado de expiação. Nossa oração é para que você possa apropriar-se de suas virtudes salvíficas.

OS POBRES


“Porque sempre tendes os pobres convosco, e podeis fazer-lhes bem, quando quiserdes...”. (Marcos 14.7).

Quem são os pobres?

Seriam os desterritoriados? Cremos que pobres são os despossuídos, não de qualquer território, de casa, de emprego (embora não de trabalho), de local (embora não de lugar), de família (embora não de nome) e enfim do próprio corpo (no caso dos escravos e servos das Colônias e Impérios). São em suma, um estado nômade. Pobre na conceituação mais comum é quem “se vira”. Pobre é quem só tem amigos pobres. Pobre é quem mora em locais pobres quase sempre sem água, esgoto e coleta de lixo. Pobres seriam então os excluídos? (1).

Excluído seria o melhor termo para ser utilizado? Excluídos é um termo muito perigoso. De fato, é impossível excluir alguém da sociedade, ela não tem exterior. O que se tenta excluir voltará como trabalho, civilização ou fantasma: a exclusão é impossível. O “excluído” não está, de forma alguma, fora da sociedade. Sua exclusão quer dizer “inclusão” como pobre, explorado e discriminado, desejo sobrante. O uso acrítico do termo pode consolidar a idéia ingênua de que há duas sociedades (a dos incluídos e a dos excluídos) quando na verdade a inclusão é função da exclusão, uma é a negação da outra, sua antítese. Essa é uma armadilha que costuma conduzir ao uso de categorias como “exclusão”, “marginalização” e mesmo “dualidade econômica” ou dois “países” divididos e etc....
Essa é a grande miséria na verdade, a da questão: se desejamos mesmo praticar a exclusão de alguém, na realidade ele retorna. O excluído baterá a porta do seu excluidor, agora como um fantasma ou monstro, desestruturando-o. A negação não tem o poder de suprimir a coisa negada, mas apenas o negador.

 Nosso modelo de dualidade legitimou racial e culturalmente a distribuição de diferentes papéis econômicos: uma banda se alimenta da outra. Numa sociedade onde a notícia substitui a literatura, é fácil ser manipulado e aceitar equívocos como se fossem verdades. “A vox Populi vox dei, adágio de manifesto teor místico, com que se afirma coroada a opinião pública, era tão somente o verbo de comunicação da sociedade liberal com as classes que a rigor não faziam a opinião, mas tinham o dever de aceitá-la, passivamente”. (2).

A identificação por classes. “Classes que não faziam a opinião” – É sutil a armadilha. A subclasse não é apenas a ausência de comunidade, é sua impossibilidade. Em última instância, isso também significa a impossibilidade de uma humanidade – porque só por meio de uma rede de comunidades que detenha os direitos de conferir e endossar uma identidade socialmente legível e respeitada se pode ingressar na humanidade. (3). Mas a subclasse também é uma categoria liminar ao extremo. Ela mostra o apavorante deserto a que o território da exclusão, uma vez penetrado, pode conduzir; um deserto além do qual só pode haver um vazio, um buraco negro sem fundo. A subclasse é um nítido retrato da insignificância a que os seres humanos podem ser rebaixados, cair, ou ser empurrados; e a sorte dos que nela são classificados pode parecer desesperadamente irreversível e irreparável, para além do ponto de retorno... “é por isso que a subclasse é considerada tão desagradável e repelente...”(4).

Em tempos de modernidade, a questão da pobreza está diretamente ligada aos temas trabalho e renda e consequentemente associada ao desemprego. “A vida de um desempregado é horrível, porque na nossa sociedade tudo depende do trabalho: salário, contatos profissionais, prestígio.... Portanto, se falta trabalho falta tudo”. (5)

Na perspectiva política, “a incerteza e a vulnerabilidade humanas são os alicerces de todo poder político” (6). Como a política tira proveito dessa situação.

 É se dizendo combater esse efeito duplo de incerteza e vulnerabilidade, que o estado moderno surge com a promessa de proteger seus súditos. Nessa promessa encontramos a razão de ser do estado. Aqueles que em tais promessas confiam ou acreditam, prestam sua obediência e apoio eleitoral.
Não é difícil perceber, que quando o estado se sente ameaçado, procura imediatamente lançar as suas sementes do temor, para produzir safras abundantes de medo e ansiedade, que tragam para o estado ganhos políticos e comerciais. Com esse tipo de abordagem, o estado inicia o que chamamos de processo de classificação da sociedade, e procurando dar uma roupagem bonita para suas terminologias, classifica pessoas como “problemas de segurança” e logo a seguir anuncia em suas promessas as “medidas de segurança” que podem resolver o problema. É assim, que de forma simples e fácil o estado consegue permissão social, para promover extermínios, com a máscara de uma higiene social. O problema moral se torna também um problema legal. Numa nota de rodapé do livro IV do Emílio, ele escreve: “O espírito universal das leis em todos os países é favorecer o mais forte contra o mais fraco, e os que têm contra os que não têm nada: essa desvantagem é inevitável e sem exceção”. (7) (Émile, Paris, Classiques Garnier, 1924, p.270).

Bem diante dos nossos olhos, “estamos presenciando uma crise profunda não deste ou daquele governo, mas da própria democracia representativa em todas as suas formas”. (8). Semelhantemente, os partidos políticos estão perdendo o poder de atração. (9). Mais do que raiva os cidadãos atualmente expressam repulsa e desprezo por seus líderes políticos e funcionários do governo. (10)

Nesse contexto, de baixo de nossos olhos surge a resposta “violenta” daqueles que têm estampados em suas humildes embalagens o rótulo de “problemas de segurança”. É um ciclo que se agrava e se repete parecendo que não terá fim.

 No meio do caos, numa busca por “segurança”, vemos sendo construída ao nosso redor, uma realidade urbana de “eremitério”, formada por condomínios planejados, cercados por muros, para livrar seus cidadãos de bem dos problemas da cidade. Os que investem pesado nesta direção, reforçam a cada dia o discurso de que suas comunidades fechadas, são agora mundos separados. Para sua proteção é preciso criar um mundo à parte dos que são socialmente inferiores.

O que estamos esquecendo, é que todas as grades têm dois lados. Essas grades dividem em duas partes um espaço que de outro modo seria contínuo: um “dentro” e um “fora”. Quando fechamos nossas vidas para o próximo, nós também os isolamos dos lugares seguros, decentes, agradáveis, confinando-os a sua dor e as ruas. Na verdade, erguemos e fortalecemos os “guetos voluntários” dos mais favorecidos e os “guetos forçados” dos desfavorecidos. Nos esquecemos que “onde o direito e a liberdade são tudo, os inconvenientes não são nada”. (11)

Esse modelo vigente, torna cada vez mais difícil o enfretamento da questão da pobreza. Tratar com seriedade a questão dos pobres exigirá de nós uma rede global de cooperação entre pessoas que nunca se encontraram e que não necessariamente confiam umas nas outras. Vemos uma sociedade que de forma quase unânime reconhece que os pobres precisam de ajuda para satisfazer suas necessidades básicas, contudo grande parte está cética quanto ao mundo ser capaz de encontrar uma maneira eficaz de oferecer essa ajuda.

A questão é quase sempre tratada de forma muita simplória e reducionista, pergunta-se “se os pobres são pobres porque são preguiçosos, ou porque governos são corruptos, como a cooperação global poderia ajudar?” (12). Certamente que essas duas crenças comuns estão erradas, representam apenas uma parte da explicação. Os desafios são infinitamente maiores, desafios estruturais impedem os pobres de pôr o primeiro pé na escada do desenvolvimento.

O nosso maior desafio não está somente em enfrentar a preguiça e a corrupção. Na questão da preguiça o tema é bastante complexo, pois já são inúmeras as diferentes manifestações desta cultura que se mostra cada dia menos trabalhadora e mais ociosa. Domenico De Masi, em seu livro “O Ócio criativo” faz a seguinte afirmação: “da mesma maneira, eu me limito a registrar que estamos caminhando em direção a uma sociedade fundada não mais no trabalho, mas no tempo vago”. (13). Neste tempo trabalhamos menos com as mãos e mais com o cérebro.

Diante do gigante da corrupção na política, o problema da pobreza também se agiganta. No modelo político atual, e na medíocre e equivocada (geralmente mal-intencionada) visão de nossos governantes, tal tarefa é impossível de ser desenvolvida. Precisamos de grandes intervenções políticas (de expressão popular) para que tais mudanças comecem a ganhar espaço, e tais intervenções se mostrem no mínimo desejáveis. Precisamos combater o isolamento geográfico e espacial, e a vulnerabilidade, com uma nova visão de responsabilidade política que possam nos ajudar a cumprir essa tarefa.

Nosso trabalho não é eficaz, porque não tratamos com seriedade a questão dos insumos agrícolas. Não há políticas relevantes e de longo prazo neste setor. Os investimentos em saúde básica são precários. Investimentos em educação não contemplam com justiça e igualdade as camadas de nossa população. Temas como energia, transportes e serviços de comunicação estão no controle de minorias e sem qualquer envolvimento da população para o seu real atendimento.

 Se desejamos enfrentar a questão da pobreza, precisamos criar uma conexão que vá desde as comunidades pobres aos centros de poder e riqueza. Esse diálogo precisa ser aberto, essa é uma porta que precisa se abrir. Precisamos aumentar gradativamente a escala dos investimentos que tenham como foco o enfrentamento da questão da pobreza.

Não se combate à pobreza, se não se coloca nas mãos dos pobres oportunidade de trabalho e de capital. Os miseráveis precisam de pelo menos seis tipos de capital:
- Capital Humano: Saúde, nutrição e treinamento para produção.
- Capital Empresarial: Máquinas, instalações, transportes e serviços.
- Infra-estrurura: Estradas, energias, água e saneamento.
- Capital Natural: Propriedades, terras ou solos.
- Capital Público Institucional: Leis e sistemas judiciais, policiamento.
- Capital de Conhecimento: Formação técnica, científica para produção de capital.

Como a sociedade precisa e carece da ajuda dos intelectuais para que essas medidas sejam adotadas. Ainda que alguns não acreditem, os intelectuais são em geral, os melhores amigos dos pobres. Acreditamos que, todas as pessoas, mesmo as iletradas e constrangidas aos trabalhos mais rudes, são intelectuais, trabalham com idéias. É claro que num sentido mais restrito, intelectuais são os que fazem desse trabalho seu ofício. Intelectual é aquele que dialoga com a sociedade a partir de um saber específico. Esse diálogo que paira sobre os saberes é conhecimento. A questão é que todo saber é de grupo e todo conhecimento, sendo comunicação é ideologicamente apropriável.

No combate à pobreza esbarramos com o burguês satisfeito, com o colonialismo cultural e com a sem-vergonhice política entre outros.

O desafio no combate à pobreza é gigantesco. O Estado, em qualquer circunstância, é autoritário. Só se pode ter uma polícia, uma moeda, uma lei e assim por diante. Se pode colocar o Estado a serviço da democracia em qualquer de suas formas – a burguesa, a socialista, a populista...- mas por definição ele não pode ser democrático. No que se refere à riqueza, funciona como um transferidor de renda, para cima ou para baixo.... Só uma política que estimulasse processos ao invés de produtos, circuitos ao invés de lugares, a centralidade e a anterioridade de tudo, ao invés da produção de objetos de cultura, seria inovadora. Uma tal política permitiria ao Estado quem sabe, transferir renda para os pobres. (14).

Para não desanimar diante desta enorme tarefa, lembre-se: seu trabalho não é pôr fim à pobreza, mas servir aqueles que estão sofrendo. Faça o que puder e confie em Deus em oração quanto aos resultados. (15).

Você quer mesmo ajudar? No livro o Fim da Pobreza (16) de Jeffrey Sachs, podem ser encontradas algumas sugestões:
- Comprometer-se com o fim da pobreza. O primeiro passo é compromisso com a tarefa.
- Adotar um plano de ação. Sem direção e ação não se chega a lugar algum.
- Elevar a voz dos pobres. O mundo precisa ouvir essas “abafadas” vozes.
- Assumir um compromisso pessoal. No fim a coisa volta para nós como indivíduos.

 A questão não é quantos vão. A questão é se você vai. São os indivíduos que trabalhando em uníssono modelam a sociedade. Os compromissos sociais sempre serão compromissos individuais. Eu assumirei o meu sem necessariamente saber se cada um assumirá o seu.

“Ele espalhou, deu aos necessitados; a sua justiça permanece para sempre, e a sua força se exaltará em glória”. (Salmos 112.9).

Carlos Elias de Souza Santos
Pastor Titular da Primeira Igreja Batista de Campo Grande – RJ.

REFERÊNCIAS:
(1) SANTOS, Joel Rufino dos. Épuras do Social – Como podem os intelectuais trabalhar para os pobres. São Paulo: Global, 2004. P. 29
(2) BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 22ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. P. 488.
(3) BAUMAN, Zygmunt. Danos Colaterais: desigualdades sociais numa era global. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. P. 191
(4) Ibid., p. 192
(5) DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Trad. Léa Manzi. Rio de Janeiro: sextante, 2000. P. 256
(6) BAUMAN, Zygmunt. Danos Colaterais, p. 70
(7) ROSSEAU, Jean-Jaques. Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Penguin Classics Companhia das letras, 2011. P. 34. (Émile, Paris, Classiques Garnier, 1924, p.270).
(8) TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. Trad. João Távora. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 1980. P. 386.
(9) Ibid., p. 389
(10) Ibid., p. 390
(11) SACHS, Jefrey D. O Fim da Pobreza: Como acabar com a miséria mundial nos próximos vinte anos. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. P. 151.
(12) Ibid., p. 265.
(13) DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo, p. 18.
(14) SANTOS, Joel Rufino dos. Épuras do Social, p. 236.
(15) ARMSTRONG, Aaron. O Fim da Pobreza. O evangelho, a Nova Criação e a Necessidade de um Salvador. Trad. Flávia Lopes. São Paulo: Vida Nova, 2015. P. 127.
(16) SACHS, Jefrey D. O Fim da Pobreza, págs. 411-14