QUANDO SOLDADOS CRISTÃOS SAEM A GUERRA, OU MESMO POLICIAIS CRISTÃOS ESTÃO COMBATENDO O CRIME NAS RUAS, ELES ESTÃO LEGITIMADOS PARA MATAR? NÃO ESTARIAM QUEBRANDO UM MANDAMENTO DE DEUS?
“Não matarás”. Êxodo 20:13
Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer
que matar será réu de juízo. Mateus 5:21
Por C. S Lewis.
“Será que amar o inimigo quer dizer que não devemos puni-lo?
Não, de maneira alguma. O amor que sinto por mim não me exime do DEVER de me
submeter à punição – nem mesmo à morte.
Se você cometesse um assassinato, a coisa correta a fazer,
segundo o cristianismo, seria entregar-se à polícia para PAGAR pelo seu crime.
Na minha opinião, portanto, é perfeitamente correto que um juiz cristão
sentencie um homem à morte ou que um soldado cristão mate o inimigo em combate.
Sempre pensei assim, desde que me tornei cristão e desde muito antes da guerra,
e meu pensamento não mudou em nada agora que estamos em paz. Não vai adiantar
citar “não matarás”. Existem no grego duas palavras: uma geral para matar, e
outra específica para assassinar. Quando Cristo pronunciou esse mandamento, ele
usou a palavra equivalente a ASSASSINAR nos três relatos: em Mateus, Marcos e
Lucas. Disseram-me que a mesma distinção
existe no hebraico.
Um dos Dez Mandamentos dados pelo Senhor a Moisés : “Não
matarás (Êxodo 20.13)”. Deus nos proíbe de matar nossos semelhantes, quaisquer
que sejam. Ora, sabemos que Deus mandou os exércitos dos judeus à dezenas de
guerras, Deus ajudou David a matar Golias, Deus matou milhares de pessoas em
Sodoma e Gomorra. Seria Deus contraditório? Sabemos com certeza que não. O
texto original nos demonstra claramente o propósito do Senhor: “xur al”. O verbo traduzido como
matar nas línguas modernas é ratsach,
que quer dizer assassinar, e não matar. Lembra-se da batalha entre Davi e
Golias, o verbo utilizado é muth (matar). Pois bem, aquele verbo denota o ato
de matar, ou o de colocar alguém à morte eminente. O verbo ratsach denota a
ação de matar um ser humano sem motivo satisfatório, ou seja, assassinar. A
Bíblia diz “Há tempo para matar e para morrer”, mas nunca “*Há tempo para
assassinar e para morrer.” O assassinar é um pecado condenado por Deus nos Dez
Mandamentos, e não o matar, como todos acreditamos. Mais uma vez, só podemos
compreender o sentido subjacente do texto com o auxílio dos escritos originais,
pois as traduções não são capazes de fazê-lo por nós.
Reflita: “Porque aquele que disse: Não cometerás adultério,
também disse: Não matarás. Se tu pois não cometeres adultério, mas matares,
estás feito transgressor da lei”. (Tiago 2:11).
Os pecados aqui são o Adultério (e não a prática de ato
sexual) e o Assassinato (e não o MATAR em si).
Nem todo ato de matar é assassinato, da mesma forma que nem
todo ato sexual é adultério. O conceito é construído e estabelecido durante o
ATO. A relação e a intenção no ato definirão o pecado ou não.
O verbo grego usado para o mesmo mandamento no novo
testamento é ¨foneuo” e é usado para se referir a um assassinato criminoso,
nunca no sentido daqueles que trabalham pela defesa de um povo ou nação. Na
verdade o mandamento trata de homicídio deliberado e intencional.
(A Autoridade) ...ӎ serva de Deus para o seu bem. Mas se
você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É
serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal”. (Romanos 13.4).
Quando os soldados se dirigiram a João Batista
perguntando-lhe o que fazer, ele nem de longe sugeriu que abandonassem o
exército:
“E uns soldados o interrogaram também, dizendo: E nós que
faremos? E ele lhes disse: A ninguém trateis mal nem defraudeis, e
contentai-vos com o vosso soldo”. (Lucas 3:14).
Jesus Cristo quando conheceu um sargento-mor romano, que
eles chamavam de centurião, não exigiu que ele abandonasse o exército. O ideal
do cavaleiro – o cristão armado na defesa de uma boa causa – é um dos grandes
ideais cristãos. A guerra é uma coisa terrível e tenho respeito pelos
pacifistas honestos. O que não consigo entender é esse semipacifismo de hoje em
dia, que dá às pessoas a idéia de que, apesar de ser nosso DEVER de lutar, devemos fazê-lo desolados, como se
estivéssemos envergonhados desse ato. Não é outro o sentimento que rouba um
grande número de nossos jovens cristãos, jovens que se alistaram e que têm toda
justificativa para lutar, de algo que é a consequência natural da coragem – uma
espécie de brio, júbilo e entusiasmo.
“O Senhor disse a Josué: Não os temas, porque os tenho dado
na tua mão; nenhum deles te poderá resistir. E Josué lhes sobreveio de repente,
porque toda a noite veio subindo desde Gilgal. E o Senhor os conturbou diante
de Israel, e os feriu com grande matança em Gibeom; e perseguiu-os pelo caminho
que sobe a Bete-Horom, e feriu-os até Azeca e a Maquedá. E sucedeu que fugindo
eles de diante de Israel, à descida de Bete-Horom, o Senhor lançou sobre eles,
do céu, grandes pedras, até Azeca, e morreram; e foram muitos mais os que
morreram das pedras da saraiva do que os que os filhos de Israel mataram à
espada” (Josué 10:8-11).
Penso com frequência no que teria acontecido se, durante a
primeira guerra mundial, quando servi como soldado, eu e um jovem alemão
matássemos um ao outro e nos encontrássemos logo depois da morte. Não consigo
imaginar que nenhum de nós sentisse um pingo de ressentimento ou de embaraço. Creio
que, juntos daríamos boas risadas.
Imagino que alguém dirá: “bem, se podemos condenar os atos
do inimigo, puni-lo e mesmo mata-lo, qual é então a diferença entre a moral
cristã e a moral comum? TODA DIFERENÇA DO MUNDO.
Lembre-se que nós cristãos, acreditamos que o homem vive
eternamente. Logo, o que realmente importa são as pequenas marcas deixadas e as
pequenas mudanças feitas na parte central e interior da alma, as quais vão
tornar, a longo prazo, numa criatura celestial ou infernal.
Talvez sejamos obrigados a matar, mas não devemos alimentar
o ódio, nem gostar de odiar. Podemos punir, se isso for necessário, mas não
devemos gostar de punir. Em outras palavras, os sentimentos de ressentimento e
de vingança devem ser simplesmente exterminados de dentro de nós.
Bem sei que ninguém tem o poder de decidir que, deste
momento em diante, não terá tais sentimentos. As coisas não acontecem assim.
Quero somente dizer que, toda vez que esses sentimentos levantarem a cabeça,
devemos trabalha-la – dia após dia, ano após ano, até o fim da nossa vida. É um
trabalho árduo, mas não é impossível tentar executá-lo. Mesmo no momento em que
castigamos ou matamos o inimigo, devemos sentir por ele o mesmo que sentimos
por nós – devemos desejar que ele não seja mau; e que ele venha a curar-se.
Falando claramente, devemos desejar o seu bem. É isso que a Bíblia quer dizer
como o amor ao próximo: desejar o seu bem, sem ter de sentir afeto nem dizer
que ele é gentil quando não é.
Admito que isso significa amar pessoas que não têm nada de
amáveis.
*LEWIS. Clive Staples.
CRISTIANISMO PURO E SIMPLES. As três partes da moral. São Paulo: Martins
Fontes, 2014. Págs. 156-159.
Clive Staples Lewis, mais conhecido como C. S. Lewis, foi um
professor universitário, teólogo anglicano, poeta e escritor britânico, nascido
na Irlanda, atual Irlanda do Norte. Nascimento: 29 de novembro de 1898,
Belfast, Reino Unido. Falecimento: 22 de novembro de 1963, Oxford, Reino Unido.
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