A CORRUPÇÃO.
Por: Carlos Elias de
Souza Santos
A natureza contraproducente das práticas aéticas se
manifesta de maneiras muito diversas.
Quando me refiro a práticas aéticas, refiro-me
especificamente aqui à corrupção. Luis
Carreto nos diz que “corrupção é um ato ilegal que ocorre quando uma pessoa
abusa de seu poder para obter algum benefício para si, para seus familiares ou
amigos. Requer participação de dois atores: um que, por sua posição de poder,
possa oferecer algo valioso e outro que esteja disposto a pagar suborno para
obtê-lo”. (3).
Infelizmente, a corrupção é uma prática social comum em
todos os estratos socioeconômicos, na vida cotidiana e em todas as atividades
econômicas, sem discriminação entre servidor público, empresário, economia
informal e um cidadão comum qualquer – você e eu. E isso nos afeta a todos.
A especificidade do ato de corrupção está em que o depositário
da confiança abusa, infringe ou viola (de maneira explícita ou implícita)
alguma das regras do jogo pactuado com quem lhe outorgou essa confiança, e que
acaba sendo fraudado.
Esse jogo pode ser um conjunto de práticas sociais ou
códigos de conduta que operam como pano de fundo, sejam explícitos ou não, para
atores ou para os observadores.
O termo “corrupto” pode ser aplicado ao depositário da
confiança e ao que instiga ou aceita a fraude, mas não a quem é defraudado, a
quem outorgou a confiança e, vendo-a depositada erroneamente, sofre abuso.
Não obstante, a corrupção rompe o tecido social, pois
diminui a confiança dos cidadãos nas instituições, no governo e em si mesmos.
Além disso, afeta o nível ético da sociedade em seu conjunto. À medida que a
corrupção se generaliza, os escrúpulos éticos vão rareando.
Definitivamente a corrupção tem má fama. Quando se descobre
um político, um sindicalista ou um empresário corrupto, todos pedimos a mesma
coisa: “demissão, rua, cadeia”. Mas a corrupção é um claro sintoma de que
alguma coisa funciona mal. A corrupção é por equivalência como a “infecção” no
corpo humano.
Quando se deu a queda do comunismo, muita gente atribuiu à
corrupção: o “poder” havia corrompido os camaradas. Até na China, onde a
corrupção é castigada com pena de morte, registram-se graves casos de
corrupção.
Seria a corrupção uma enfermidade de determinados regimes
políticos? Não totalmente.
A corrupção instalada no estado, por exemplo, é um sintoma
que nos indica que existem um excesso de leis inúteis que comprometem o bom
funcionamento dos assuntos econômicos. Numa sociedade regulada por um grande
excesso de leis inúteis, gastamos tempo demais em tarefas e processos inúteis,
aumentamos os custos, e quem lucra e se torna o grande beneficiário disso tudo
é o legislador e o funcionário. Caso bem tipificado no Brasil.
É assim que a corrupção alcança pessoas e empresas. Elas se
iniciam no mundo da corrupção quando precisam “burlar este excesso de leis” falseando
sistematicamente sua contabilidade, na tentativa de pagar menos impostos em
face da alta carga tributária e assim por diante.
Percebemos diante dos fatos, que a corrupção é facilmente aprendida,
e amplamente aceita, conquanto decidimos fechar os nossos olhos para o grau de
dificuldade presente em nosso sistema governamental extremamente burocrático e
vorazmente tributário.
A infraestrutura que sustenta a corrupção é a burocracia.
Burocracia que facilmente promove a impunidade e a protege. “A burocracia tanto
pressupõe a existência de informações – o suprimento indispensável para a usina
do administrador – quanto viabiliza a criação de mais informações” (1).
Em se tratando de corrupção, a orientação para não se fazer
escola nesse “mercado negro”, é procurar se associar as pessoas de caráter admirável
e de sabedoria comprovada evitando as más companhias. Este é um bom conselho. “O
caminho do insensato é reto aos seus próprios olhos, mas o que dá ouvidos ao
conselho é sábio”. (Provérbios de Salomão 12.15).
Hesíodo acreditava que: “O homem virtuoso é aquele que pensa
por si mesmo, refletindo sobre o que será melhor mais adiante no final. Também
é bom o homem que atende aos conselhos dos homens sábios. Porém, quem não pensa
por si mesmo, nem retém em si os bons conselhos, esse é um homem inútil” (4).
Outra forma de procurar fugir das garras da corrupção é prestar
bastante atenção aos detalhes. – Essa é uma prática muito boa. Um pequeno
detalhe pode não ter importância, mas a soma de muitos pode. Preste bem
atenção: “...Todo o aumento de regulamentação governamental sobre a vida
implica uma remoção de certa medida da liberdade humana. Quando pequenas perdas
de liberdade ocorrem repetidamente ao longo de anos, pode acontecer de as
pessoas se tornarem escravas do governo sem perceber” (6)
O senso comum parece acreditar e difundir, que a corrupção é
causada pelo governo e que basicamente será resolvida através do governo.
Sugiro analisarmos essa crença popular considerando basicamente três tipos de
governo:
- O governo de si mesmo, que diz respeito à moral;
- A arte de governar adequadamente uma família, que diz
respeito a economia;
- A ciência de bem governar o Estado, que diz respeito a
política.
Essas artes de governar postulam uma continuidade essencial
entre elas, e aqui se estabelece uma continuidade ascendente e descendente (2).
A continuidade ascendente ocorre no sentido de que, aquele
que deseja “Governar o Estado”, deve primeiro saber se governar, governar sua
família, seus bens, seu patrimônio.
A continuidade descendente ocorre no sentido de que, quando
o Estado é bem governado, os pais de família sabem como governar suas famílias,
seus bens, seu patrimônio e por sua vez os indivíduos se comportam como devem.
São essas linhas ascendentes e descentes que se repercutem
na conduta dos indivíduos e na conduta do Estado enquanto Governo.
Se você deseja ver modificado o atual quadro de corrupção,
então será preciso investir primeiro no “governo de si mesmo”, no governo que
diz respeito à sua moral.
Dietrich Bonhoeffer, ao tratar do tema moral nos diz
que: “Não há dúvida de que ocorrem
situações e épocas em que a moralidade não é algo natural, seja porque não é
praticada, seja porque se tornou questionável em seu conteúdo. É nesses tempos
que o ético se constitui em tema. Por um lado, isso provoca uma refrescante
simplificação dos problemas da vida, uma redução a linhas mestras, uma
obrigação de adotar claras posturas e decisões de foro íntimo” (5).
Na arte de governar adequadamente uma família, -que diz
respeito a economia, Confúcio dizia o seguinte: “Pratique a fraternidade com a
família e o altruísmo com as pessoas e você estará contribuindo para o
governo’. Isso também é contribuir com a sociedade, não é preciso estar no
governo” (7).
Na ciência de bem governar o Estado, que diz respeito a
política, lembre-se do que disse Confúcio: “Para governar um Estado, seja digno
e honesto nos negócios, seja moderado nos gastos, ame a todos e só convoque o
povo se for necessário” (7).
Não é nada fácil governar, quanto mais governar bem, quando
o alvo é o Estado Replubicano. Especialmente uma República com tão graves
problemas históricos como a nossa: “Como é possível fazer uma república de um
país vastíssimo, desconhecido ainda em grande parte, cheio de florestas,
infinitas, sem população livre, sem civilização, sem artes, sem estradas, sem
relações mutuamente necessárias, com interesses opostos e com multidão...sem
costumes, sem educação, nem civil nem religiosa e hábitos antissociais” (12).
Um caminho estreito e
longo a ser percorrido no combate a corrupção passa pelos trilhos da Educação.
É preciso despertar cada ser humano e torna-lo num cidadão capaz de expressar
toda a sua dignidade humana. Nas palavras do Rabino Nilton Bonder: “Entre uma
moral e outra o ser humano volta a se despir e, desperto, se recorda de sua
alma. A esse despertar se referia o maguid de Mezeridz: “Um cavalo que se sabe
cavalo não o é. Este é o árduo trabalho do ser humano: aprender que não é um
cavalo” (15). Essa é uma árdua tarefa.
Um povo sem educação é certamente um povo com pouca ou
nenhuma noção. Dr. Wayne Grudem diz o
seguinte: "Infelizmente, a noção de que governantes podem simplesmente
"apropriar-se" de dinheiro do tesouro público em benefício próprio e
de seus amigos é um valor cultural profundamente arraigado em algumas
sociedades pobres. O que chamamos de "corrupção" é amplamente aceito
apenas como "a forma de o governo funcionar". (16).
Muitos acreditam que
a corrupção é um problema meramente político, quando certamente não é. Albert
Einstein afirma que: “Se considerarmos as condições de vida da humanidade
civilizada atual, mesmo sob a perspectiva dos preceitos religiosos mais
elementares, não podemos deixar de sentir uma profunda e dolorosa desilusão
perante aquilo que vemos. Pois, enquanto a religião prescreve o amor fraterno
nas relações entre grupos ou indivíduos, o panorama atual assemelha-se mais a
um campo de batalha do que a uma orquestra. O princípio orientador é, em toda a
parte, tanto na vida econômica como na política, a luta implacável pelo êxito à
custa do próximo. Este espírito competitivo prevalece mesmo nas escolas e, ao
destruir todos os sentimentos de cooperação e fraternidade, concebe o triunfo
não como derivado do amor ao trabalho sério e produtivo, mas como algo que
nasce da ambição pessoal e do medo da rejeição” (8).
Ambrósio de Milão afirmou que o criador, o nosso “Deus
ordenou que todas as coisas fossem produzidas, de modo que houvesse comida em
comum para todos e a terra fosse a herança comum de todos. Por isso, a natureza
produziu um direito comum a todos, mas a avareza fez disso um direito de alguns
poucos”. No combate a corrupção precisamos exterminar a avareza e colocar no
lugar um pouco mais de coração. Esse é o poderoso e eficaz ensino contido na
imortal frase da Raposa, personagem do Pequeno Príncipe: “Só enxergamos com o
coração”. “O essencial é invisível para os olhos” (9).
Em tempos de acentuados níveis de corrupção, grande parte da
população parece acreditar que a solução virá através do poderoso “martelo” da
justiça. Acredito muito na justiça divina: “E ele fará sobressair a tua justiça
como a luz, e o teu juízo como o meio-dia”. (Salmos 37.6).
Preocupo-me muito com a Justiça dos homens. Preococupado com nosso conceito de justiça, faço menção aqui de Blaise Pascal
(1623-1662), um dos nossos maiores pensadores, ao filosofar sobre a justiça
afirmava que: “É justo que o que é justo seja seguido. É necessário que o que é
mais forte seja seguido. A Justiça sem a força é impotente; a força sem a
justiça é tirânica. A justiça sem força é contradita, porque há sempre maus; a
força sem a justiça é acusada. É preciso, pois, reunir a justiça e a força; e,
dessa forma, fazer com que o que é justo seja forte, e o que é forte seja
justo. A justiça é sujeita a disputas: a força é muito reconhecível, e sem
disputa. Assim, não pôde dar a força à justiça, porque a força contradisse a justiça
e disse que ela era injusta, dizendo que ela é que era justa; e, assim, não
podendo fazer com que o que é justo fosse forte, fez-se com que o que é forte
fosse justo” (10). Certamente temos aqui neste texto um ótimo exemplo da “balança”
equilibrada da Justiça.
Não se deixe enganar. Há muitos que sobre este assunto se
enganam: “E ele se engana fortemente, se acredita que a autoridade é mais forte
e mais firme quando repousa sobre a força do que se estabelecida sobre a
afeição”. (Terêncio, Adelfos, I, I, 40).
Em tempos de grande crise política, onde estão cada vez mais
evidentes as vísceras da corrupção, a população pode e deve apoiar-se nas
Escrituras Sagradas: “Entre vocês há alguém que está sofrendo? Que ele ore...
(Tiago 5:13). Lembre-se do que disse John Knox: “Problemas e dificuldades são
as esporas à oração, pois, quando o homem, cercado de todos os lados por
veementes calamidades, aborrecido por solicitudes contínuas (não tendo, no ser
humano, esperança de livramento, estando com o coração oprimido e magoado,
temendo ainda maior castigo a seguir) clama das profundezas da tribulação, a
Deus, pedindo consolo e sustento, tal oração ascende à presença de Deus e não
voltará vazia” (11). Reconhecemos que “As
tentações e tribulações provam o homem e mostram quanto ele progrediu. Sua
recompensa assim é maior, e as virtudes recebidas se revelam plenamente. Não é também grande coisa ser o homem devoto
e fervoroso em momentos de tranquilidade. Se, contudo, em tempos de adversidade
ele se portar com paciência, então há esperança de grande progresso na graça” (14).
Nosso desejo nestes dias é: “Que a falsidade, a ambição e o
ódio sejam destruídos na noite da Razão, até que a fraqueza se transforme em
poder, até que a escuridão se transforme em luz e tudo o que está errado fique certo!
(Bruno – no conto Sylvie e Bruno) (13).
Se este texto fosse um discurso, o que não é, eu o
terminaria como o grande estadista, que ao encerrar sua fala disse: “- Que esta
nação, com a graça de Deus, renasça em liberdade – e que o governo do povo,
pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”. Esse foi o desejo de Abraham Lincoln, por
ocasião de seu discurso de Gettysburg – em 19 de novembro de 1863.
Gostaria que
cada brasileiro desejasse o mesmo nestes dias tão difíceis.
REFERÊNCIAS:
(1)
VAN CREVELD, Martin. Ascensão e declínio do
Estado. Tradução Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2004. P.201
(2)
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.
Organização, introdução e revisão Técnica de Roberto Machado. 3ª edição. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2015.P. 412
(3)
CLAVO, Luis Carreto. Aristóteles para
executivos: como a filosofia ajuda na gestão empresarial. Tradução Luis Reyes
Gil. São Paulo: Globo, 2008.
(4)
Hesíodo. Teogonia: Trabalhos e Dias. São Paulo:
Martin Claret, 2010. Pg.76.
(5)
BONHOEFFER, Dietrich. Ética. 10ª Ed. São Leopoldo:
Sinodal/EST, 2009. Pg. 169.
(6)
GRUDEM.
Wayne. Política `Segundo a Bíblia. Princípios que todo o cristão deve
conhecer. Tradução de Susana Klassen. São Paulo: Vida Nova, 2014. P. 134.
(7)
CONFÚCIO. As lições do mestre. Tradução André
Bueno. 1ª Edição. São Paulo: Jardim dos Livros, 2013.
(8)
EINSTEIN, Albert. Como Vejo a Ciência, a
Religião e o Mundo. Tradução José Miguel Silva e Ruth San Payo Araújo. Lisboa –
Portugal: Relógio D´Água Editores, 2005. Pg. 282.
(9)
SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O Pequeno Príncipe.
Tradução André Telles, Rodrigo Lacerda. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Zahar,
2015.Pg. 94
(10) PASCAL. Blaise. PENSAMENTOS. Trad. Paulo M.
Oliveira. Bauru-SP: Edipro, 1995.Pg. 203. Artigo XXIV – Da Justiça.
(11) KNOX, John. A Treatise on Prayer, or, a
Confession and Declaration of Prayers, Citado em Selected Writings of Joh Knox:
Public Epistles treatises and Expositions to the Year 1559 (Dallas:
Presbyterian heritage Publications, 1995). Pg. 6.
(12) Do panfleto de José Antônio Miranda, Publicado
no Rio de janeiro em 1821. (Citado em Laurentino Gomes. 1822. 2ª Edição. São
Paulo: Globo, 2015. P. 64).
(13) CARROL, Lewis. (Charles Lutwidge Dodgson)
Obras Escolhidas: Sylvie e Bruno. Tradução Maria de Lourdes Guimarães. Lisboa:
Relógio de água editores, 2014. Pg. 330
(14) KEMPIS. Tomás de. IMITAÇÃO DE CRISTO. Livro 1
- Conselhos úteis para a vida Espiritual. Clássicos da Literatura Cristã. Trad.
Almiro Pisetta, Antivan Guimarães. 1 Ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2015. Págs.
409-410.
(15) BONDER,
Nilton. A Alma Imoral. Traição e Tradição através dos tempos. Rio de Janeiro:
Rocco, 1998. Págs 65-66.
(16) GRUDEM, Wayne. A Pobreza das Nações. Uma
Solução sustentável. Trad. Lucas G. Freire. São Paulo: Vida Nova, 2016.Págs.
237-38
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