SOBRE ÉBRIOS E
SÓBRIOS.
“Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem...”. (Efésios
5.18).
Quando o assunto é a bebida, carecemos tratar do tema
sobriedade e de seu vício oposto, a embriaguez.
A bebida é a matéria própria da sobriedade:
“Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós
que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense (seja sábio, do
latim sed sapere) com moderação (sobriedade,
do latim sobrietatem), conforme a
medida da fé que Deus repartiu a cada um. (Romanos 12.3).
A sobriedade também possui como matéria a própria SABEDORIA
e não apenas a bebida ou o vício em si.
A palavra sobriedade parece derivar de medida. É isto que nos
é ensinado por Paulo em sua Epístola: “Ensinando-nos que, renunciando à
impiedade e às CONCUPISCÊNCIAS MUNDANAS, vivamos neste presente século SÓBRIA
(do latim sobrie), e justa, e
piamente”. (Tito 2.12)
Ora, a palavra sobriedade vem de medida, pois chama-se
sóbrio quem respeita a medida. Por isso a sobriedade se apropria,
especificamente de uma matéria em que é sumamente louvável, observar a medida,
como é o caso das bebidas que podem embriagar.
Na verdade, o uso MODERADO de algumas bebidas pode ser
bastante benéfico, mas um pequeno excesso já é extremamente nocivo, porque
impede a atuação da razão.
Essa é a razão porque a sobriedade tem como objeto
especialmente, a bebida; NÃO QUALQUER BEBIDA, mas aquela que POR SEUS VAPORES,
pode perturbar a mente, como são o vinho e TODAS AS DEMAIS BEBIDAS
EMBRIAGADORAS.
Neste caso, deve-se dizer que tudo o que é propriamente
relacionado à TEMPERANÇA é necessário à vida presente e todo excesso é
prejudicial. Assim é, necessário o comedimento em tudo e esse é o papel da
sobriedade. Um pequeno exagero na bebida prejudica mais do que em outras
matérias e, por isso a sobriedade refere-se, especialmente à bebida.
Quando tratamos do tema abstinência, se faz necessário dizer
que a ABSTINÊNCIA inclui a comida e a bebida. Assim como no campo da nutrição
distinguimos a comida da bebida, assim também distinguimos diferentes gêneros
de comida e de bebida. Portanto, se a sobriedade fosse em si mesma, uma virtude
especial, parece que seria preciso existir uma virtude especial para toda
diferença de bebida e de comida, o que é inadmissível.
É próprio de toda a virtude moral PRESERVAR o bem da razão
contra as coisas que podem impedi-lo. Onde houver algo que seja impedimento à
razão, se faz necessário uma VIRTUDE ESPECIAL que seja capaz de eliminá-lo.
Ora, sabemos que a bebida inebriante impede o uso da razão, porque altera o
cérebro com seus vapores. Deste modo, suscitamos uma virtude especial, que
extinga esse obstáculo e essa é nas pessoas de boa moral a sobriedade.
Todos sabemos que tanto a comida (glutonaria) quanto a
bebida podem de modo geral, impedir o bem da razão, envolvendo-a em excessos de
prazer, neste momento deverá entrar em cena a virtude geral da ABSTINÊNCIA. As
bebidas inebriantes criam um impedimento peculiar, como foi dito. Por isso
exigem uma virtude especial.
A virtude da abstinência não deve atuar na ocupação ou mesmo
preocupação com a comida e a bebida enquanto NUTRITIVAS. Mas deve atuar sim,
quando comida e bebida podem criar obstáculos à razão.
Sabemos que todas as bebidas que causam embriaguez impedem,
pelo mesmo motivo, o uso da razão. A diversidade de bebidas, portanto tem
relação apenas acidental com a virtude. Por isso, dada essa diversidade, as
virtudes não se diferenciam.
Numa análise fria sobre o tema sobriedade, parece então que
o uso do vinho é totalmente ilícito e absolutamente condenável.
Há inúmeros alertas sobre essa ilicitude:
“Ai dos que se levantam cedo para embebedar-se, e se
esquentam com o vinho até à noite”. (Isaías 5.11).
Paulo escrevendo aos Romanos:
“Bom é não comer carne, NEM BEBER VINHO, nem fazer outras
coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça”. (Romanos
14.21).
Neste texto, o Apóstolo, não diz simplesmente que é bom não
beber vinho. Ele na verdade aconselha que se evite escândalo no uso dele. Vejamos:
“Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus.
Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova. Mas
aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo
o que não é de fé é pecado” (Romanos 14:22,23).
Noutro sentido, sobre a boa utilização do vinho,
encontramos:
“É ele que faz crescer o pasto para o gado, e as plantas que
o homem cultiva, para da terra tirar o alimento: o vinho, que alegra o coração
do homem; o azeite, que faz brilhar o rosto, e o pão que sustenta o seu vigor.
(Salmos 104.14,15).
Em Eclesiastes lê-se:
“Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe com coração
contente o teu vinho, pois já Deus se agrada das tuas obras”. (Eclesiastes 9.7).
Paulo recomenda a Timóteo, em sua questão de saúde, o uso do
vinho:
“Não bebas mais água só, mas usa de um pouco de vinho, por
causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades”. (1 Timóteo 5.23).
No primeiro milagre de Jesus, sabemos que Ele transformou a
água em vinho. Em que espécie de vinho Jesus transformou aquela água? “O
diretor da festa” elogiou o noivo a respeito do vinho que havia sido produzido
milagrosamente. Ele disse: “Todo outro homem apresenta primeiro o vinho
excelente, e, quando as pessoas ficam inebriadas, o inferior. Tu reservaste o
vinho excelente até agora. ” — (João 2:9, 10).
As pessoas sabiam bem que Jesus usava o vinho como bebida: “Veio
o Filho do homem, comendo e bebendo, e vocês dizem: ‘Aí está um comilão e
beberrão, amigo de publicanos e "pecadores" ’”. (Lucas 7.34).
Notamos claramente até aqui, que nenhuma comida ou bebida,
considerada em si mesma, é ilícita, conforme a palavra do Senhor: “Não é o que
entra na boca que torna o homem impuro”.
“O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o
que sai da boca, isso é o que contamina o homem”. (Mateus 15.11).
Portanto, beber vinho não é, de si, ilícito. Poderá, PORÉM,
TORNAR-SE ILÍCITO, para quem se deixa alterar com facilidade por ele, ou para
quem fez voto de não o beber; outras vezes, pelo modo de beber, quando se passa
das medidas, outras vezes, ainda, por causa dos outros, pelo escândalo que se
pode dar.
É aqui que alcançamos dois níveis de compreensão na relação
do homem com o vinho:
1) Os que aceitam claramente que não é preciso
abster-se inteiramente do vinho, mas apenas do seu uso exagerado. Julgando sua
conduta pela SOBRIEDADE.
2) Outros buscando melhor perfeição e maior
sabedoria, se abstêm totalmente do vinho, segundo as condições das pessoas e
também dos lugares.
Devemos entender, sobre este tema, que Cristo nos proíbe
algumas coisas, como absolutamente ilícitas e outras, como impedimentos para
nosso aperfeiçoamento. É nesse sentido que ele veta o vinho, como também as
riquezas e outras coisas semelhantes aos que buscam a maior perfeição.
Sendo assim, nos parece que a sobriedade cai bem e se torna
mais necessária nas pessoas mais dignas.
Sobriedade tem sido sinônimo de maturidade: “Exorta os
velhos a que sejam temperantes, sérios, SÓBRIOS, sãos na fé, no amor, e na
constância”. (Tito 2.2). É por isso, que
é requerido ao Bispo que: “...seja irrepreensível, marido de uma só mulher,
temperante, SÓBRIO, ordeiro, hospitaleiro, apto para ensinar; NÃO DADO AO
VINHO, não espancador, mas moderado, inimigo de contendas, não
ganancioso”. (1 Timóteo 3.2,3). A Bíblia
requer daqueles que buscam maior dignidade, total sobriedade.
“As mulheres idosas, semelhantemente, que sejam sérias no
seu viver, como convém a santas, não caluniadoras, NÃO DADAS A MUITO VINHO,
mestras no bem”. (Tito 2.3).
A SOBRIEDADE POR SUA VEZ, PARECE IMPLICAR A ABSTENÇÃO DO
VINHO. Assim se orientavam historicamente os que ocupavam os lugares mais
altos: “Não é dos reis, ó Lemuel, NÃO É DOS REIS BEBER VINHO, nem dos príncipes
DESEJAR BEBIDA FORTE”. (Provérbios 31.4). O risco imediato seria perder a
sobriedade e comprometer sua capacidade de juízo: “...para que não bebam, e se
esqueçam da lei, e pervertam o direito de quem anda aflito”. (Provérbios 31.5).
Quase sempre o mais comum, é ver o uso da bebida por parte
daqueles que desejam não enfrentar a dura realidade de seus problemas:
“...Dê bebida fermentada aos que estão prestes a morrer,
vinho aos que estão angustiados;
para que bebam e se esqueçam da sua pobreza, e não mais se
lembrem da sua infelicidade”. (Provérbios 31.6,7).
Quando encaramos a SOBRIEDADE COMO UMA VIRTUDE, reconhecemos
que a virtude tem dupla relação:
- De um lado, com vícios contrários, excluindo-os; e com as
concupiscências, refreando-as;
- De outro lado, com o fim a que ela conduz.
Assim pois, uma virtude pode ser necessária a certas pessoas
por duas razões:
PRIMEIRO, por terem maior queda para a concupiscência, que
devem dominar pela virtude, e para os vícios, que a virtude deve extirpar.
SEGUNDO, a sobriedade se torna necessária, sobretudo, para
certas pessoas cuja atividade não pode ser cumprida sem ela. O vinho, com
efeito, tomado exageradamente, trava o uso da razão. Por isso, a sobriedade é,
particularmente, necessária para todos aqueles que tem o dever de ensinar e ser
exemplo sempre.
Tratamos sim, na questão da bebida, A EMBRIAGUEZ COMO PECADO:
“Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, NEM EM BEBEDEIRAS, nem
em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja”. (Romanos 13.13).
A embriaguez é a clara representação da DEGRADAÇÃO do homem
que bebeu demais. Este embriagado já não é mais senhor de si. Se o indivíduo
alcançasse a embriaguez somente pela força e efeito do vinho, tal embriaguez
não seria pecado. (Como se fosse necessário sedá-lo para um procedimento).
Contudo, se alcança o estado de embriaguez, pelo desejo e uso desordenado do
vinho, por sua vontade deliberada de perder-se na medida de sua sobriedade, tal
embriaguez é indubitavelmente pecado. É exatamente neste caso que a
insensibilidade se opõe a temperança. “A
luxúria, e o vinho, e o mosto tiram o coração”. (Oséias 4.11).
Ser temperante, contudo, é extremamente difícil, pois os
“abstêmicos”, no desejo de serem temperantes, também se perdem no exercício da temperança.
Imaginem uma pessoa que considera a possibilidade de abster-se conscientemente
do vinho, a tal ponto de prejudicar sua própria saúde; tal prática também não o
isentaria do pecado. Sua abstinência é imperdoável, um atentado contra sua
própria vida. Vide recomendação de Paulo a Timóteo: “Não bebas mais água só,
mas usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes
enfermidades”. (1 Timóteo 5.23). Nesse caso,
abster-se seria um flagrante pecado. Seria um ato de total destempero.
Quando houver o uso voluntário e imoderado do vinho nisso residirá
a razão do pecado. A embriaguez para devassidão e o pecado, ocorrem quando se
sabe muito bem que a bebida é demasiada e embriagadora e, contudo, prefere-se o
risco da embriaguez à abstenção do beber. Atos morais não ocorrem
acidentalmente e sem intenção, eles ocorrem direta e intencionalmente. É desta
feita que ocorrerá embriaguez pecaminosa. Toda a embriaguez será julgada pelo
seu ato precedente e sua degradação consequente.
É exatamente para pecados assim que tal advertência é
proferida:
“Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os
adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os
avarentos, NEM OS BÊBADOS, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o
reino de Deus. (1 Coríntios 6.10).
Lembre-se: “O vinho é escarnecedor, a bebida forte
alvoroçadora; e todo aquele QUE NELES ERRAR nunca será sábio”. (Provérbios
20.1).
Neste sucinto conteúdo, tão somente procuramos realizar um
breve resumo da SUMA TEOLÓGICA VII - DE TOMÁS DE AQUINO nas Questões 149 e 150.
Esperamos que este resumo com comentários e grifo nosso,
possam ajudar o leitor a procurar um bom caminho na questão do uso e
abstinência de bebidas alcoólicas. Quando o assunto é bebida ainda há muitos que
por falta de discernimento: “comem e bebem para sua própria condenação...”. (1
Coríntios 11.29).
Que o Senhor nosso Deus nos dê discernimento.
Pr Carlos Elias de Souza Santos
Referência:
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Volume VII – II Seção da
II Parte – Questões 123-189. 2ª Edição.
São Paulo: Edições Loyola, 2005.
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